sexta-feira, 16 de abril de 2021

PORTOS E CAMINHOS DO SERTÃO


Extraído de Dióres Santos Abreu. Formação Histórica de uma cidade pioneira: Presidente Prudente, 1970. 



A colonização portuguesa no Brasil seguiu o modelo portuário da expansão comercial marítima instalada na Península Ibérica desde a antiguidade com os fenícios, gregos e romanos. Na Idade Moderna, Portugal e Espanha lideraram a expansão mercantil fundando portos em praticamente todos os continentes: nos oceanos, mares e também em milhares de rios, penetrando nas selvas e florestas onde já havia esse tipo de movimentação fluvial por parte dos nativos ribeirinhos. 

No Brasil não foi diferente. Ao explorarem e se estabelecerem no litoral, penetraram no território luso pós-Tordesilhas basicamente através dos rios, fundando portos e vilas. Na capitania de São Vicente a quantidade desses estabelecimentos colonizadores multiplicou-se rapidamente após as demarcações litorâneas feitas em 1501 e 1502 pelo célebre navegador Américo Vespúcio. No futuro território paulista ele deu nome a São Vicente, que já existia informalmente ainda no século XV, assim como à velha Cananeia. Posteriormente, na direção sul surgiriam os portos de Iguape, Paranaguá, bem como São Francisco do Sul e Itajaí, já em Santa Catarina; e finalmente Porto Alegre, Rio Grande e Pelotas, no Rio Grande do Sul.  Os espanhóis fizeram o mesmo na Bacia do Prata 

Ao norte da capitania, os vicentinos fundaram o porto de Bertioga, São Sebastião (SP), Parati, São Sebastião do Rio de Janeiro e Vitória (ES). O mesmo aconteceria em importantes cidades do litoral e dos rios navegáveis do Norte e Nordeste, todos ligados a uma grande diversidade de negócios.  

Mas foi em São Vicente (porto dos escravos e do açúcar) que esse modelo portuário foi primeiramente implantado, depois em Santos e Cubatão (porto do café e das indústrias), cuja fase primitiva da alfândega dos jesuítas passou a controlar o fluxo comercial entre o litoral e o planalto de Piratininga. Dali, pelo rio Tietê, os vicentinos seriam sucedidos pelos bandeirantes nessa função portuária de expansão para o interior, surgindo diversos pontos que os levariam até o rio Paraná, na divisa com o Mato Grosso, de onde, pelo rio Pardo, atingiriam os sertões mais distantes e próximos da Amazônia. 

O Porto Tibiriçá foi o último lance dessa histórica interiorização e expansão paulista. Apesar dessa movimentação, entre os séculos XVI e XIX, o extremo oeste paulista permaneceu intocado pelo colonizadores, sendo esse imenso território ainda citado nos mapas do início do século XX como "Terrenos Desconhecidos". A região seria desvendada pelos batedores e exploradores da  Comissão Geológica e Geográfica em 1895, porém foi somente em 1907 que foi instalado o primeiro marco de ocupação desse vasto território com a fundação, em 01 de janeiro, do legendário Porto Tibiriçá. Essa localidade pioneira do rio Paraná ficava de fronte e próxima ao rio Pardo, na margem mato-grossense, onde seria fundado o Porto XV de Novembro.  

Para chegar até Tibiriçá, os exploradores da Companhia Diederichsen-Tibiriçá iniciaram sua viagem fluvial em 1906 partindo do Porto Laranja Azeda, logo após os portos de Ibitinga e Porto Feliz, velhos conhecidos pontos de partidas das monções paulistas nos séculos anteriores.  

Além dos portos fluviais, haviam também os portos secos, bases produtivas e comerciais próximas dos núcleos fluviais e que, nas primeiras décadas do século XX, seriam ocupados e expandidos pelas estações ferroviárias. 

O Porto Tibiriçá foi fundado em 1907 com a intenção de ligação, capitação e travessia de gado em Mato Grosso pelo Porto XV. Esse gado seria conduzido pela Estrada Boiadeira - dividida em pousos - até  a Fazenda Indiana, mais de 100 quilômetro antes, onde estava chegando os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana. 

Somente depois dessa ligação pioneira, após os anos 1920, é que foram sendo instalados os trilhos e fundadas as primeiras estações e núcleos urbanos dessa região conhecida com Alta Sorocabana: Assis, Paraguaçu Paulista, Regente Feijó, Presidente Prudente, Presidente Bernardes, Piquerobi, Santo Anastácio, Presidente Venceslau, Caiuá e finalmente o Porto de Presidente Epitácio, herdeiro político do Porto Tibiriçá em 1924. Era a última estação de trem  e, anos mais  mais tarde, o último quilômetro  da rodovia Raposo Tavares, cujo ponto inicial estava  à 640 quilômetros no bairro paulistano do Butantã, na zona oeste da capital. 

A criação de portos fluviais não parou por aí. Mesmo com a construção da ponte rodoviária ligando São Paulo e Mato Grosso(1955-1964) e o fim da travessia fluvial de gado e automóveis nessa região, o rio Paraná tinha rio acima o movimentado Porto de Panorama, que atendia a Alta Paulista; João André (MS), Três Lagoas e Jupiá.   E abaixo de Epitácio e Tibiriçá, Porto Primavera, Porto Mendes, Amambay e Invinhema; e vários outros portos até Guaíra, na divisa com o Paraguai: Porto Monjoli, Porto Aguirre, Porto Bertoni.   Eram regiões amplamente exploradas por companhias de navegação e estaleiros para construção de embarcações fluviais. 

É importante lembrar que o transporte e suas vias de acesso sempre estavam associadas a esses portos: a imensa rede pré-colonial pedestre do Peabiru, extenso e complexo caminho de pedras e grama rasteira espalhado em diversos ramais pelo continente; os batelões fluviais e monções do período colonial; as estradas boiadeiras; as ferrovias cafeeiras e urbanizadoras, ligando o interior à Capital e litoral; as grandes rodovias e estradas vicinais no interior; e finalmente os aeroportos, que prometem concentrar a logística de captação e distribuição produtiva no país inteiro, em função do volume de cargas  e da velocidade dos percursos.  

Atualmente, todo o fluxo de transporte fluvial e intermodal com ferrovias é conhecido como Hidrovia Tietê-Paraná. 



SURPRESA AGRADÁVEL




“(...) É surpresa agradável para o viajante deparar, em plena selva, perto de Presidente Epitácio, uma pequena cidade de casas de madeira, em franca florescência, que é um centro industrial capaz de emular com muitos que possuímos no litoral. Referimo-nos a Porto Tibiriçá, recanto encantador, de ruas largas e arborizadas, com iluminação elétrica – coisa que Presidente Epitácio não tem – e que possui um estaleiro naval, cuja capacidade pode ser avaliada pelo fato de ter sido ali construído o Tibiriçá, o maior navio que faz a navegação no Alto Paraná, elegante e confortável ‘gaiola’.

Theóphilo de Andrade, in “O Rio Paraná no roteiro da Marcha para o Oeste”, 1941.



CARTAS DE TIBIRIÇÁ





 

A tradutora brasileira Marta Lange, residente na Alemanha, nos enviou mensagem e o link deste blog, revelando a história dos seus avós, do namoro deles e das cartas que trocaram durante o noivado. O avô residia em Tibiriçá, como funcionário da Companhia Viação SP-MT, e a avó residia em São Paulo. As cartas estão sendo publicadas gradualmente, nas mesmas datas em que foram escritas, porém, nesta primeira, já temos um ideia de como era o Porto Tibiriçá entre 1934 e 1935, no período pré-guerra com a presença de alemães na vila. Esse cenário mudaria radicalmente quando o Brasil se posicionou contra o Eixo Roma-Berlim-Tókio.

Marta Lange localizou o blog Epitácio na Memória por indicação do biólogo e professor da USP Miguel Trefaut Urbano Rodrigues, "um dos maiores herpetólogos dos últimos tempos! E amante da história do Brasil".






Desenho do Porto 15, 1935 feito por Richard Lange, contador da Companhia de Viação SP-MT, onde residiu entre 1934 a 1938.

Acervo: Martha Lange.

"Este sistema do poste com o tambor, era usado para avisar que havia chegado boiadas no porto XV e que as chatas boiadeiras partissem do Porto Tibiriçá para ir buscá-las". 

João Barbosa (comentário na página Epitácio na Memória, no Facebook)



ALEMÃES NO PORTO TIBIRIÇÁ



Folheto de propaganda de colonização editado pela CVSP-MG


No período entre Guerras havia, como o próprio nome sugere, uma grande incerteza sobre o futuro da Europa e do mundo. Essa impressão, somada à crise econômica de 1929, despertou um forte interesse pela imigração em direção à América. O alvo principal era os EUA e o Canadá. Porém, a América do Sul também passou a ser alvo de interesse por causa do êxito de algumas colônias instaladas na região sul e também no interior de São Paulo. 

Investidores alemães conseguiram entrar no negócio de colonização no eixo São Paulo-Mato Grosso adquirindo o patrimônio da Companhia Diederichsen-Tibiriçá, que incluía terras nos dois estados, o Porto Tibiriçá, a Estrada Boiadeira e a Companhia Cima, em Indiana, que atuava como ponto de atração de negócios agrários, tendo como base a estação de Estrada de Ferro Sorocabana. Outras colonizadoras disputavam negócios na região: a do Coronel Martins (Martinópolis) e a do Coronel Marcondes (Presidente Prudente), conhecidos mandatários regionais. 

A concorrência na venda de terras e disputa pelo fluxo migratório era intensa e feita pessoalmente pelos dois interessados. Ambos disputavam as levas de colonos já quando desembarcavam em Santos ou na Estação da EFS, na Capital, cujo ramal atendia praticamente todas as localidades onde tinham negócios.

A entrada dos alemães acirrou essa disputa, porém as terras próximas à divisa e também em Mato Grosso ainda eram consideradas um risco, por causa da distância e isolamento. 

Todas as colonizadoras produziam material de propaganda, geralmente anúncios em jornais de grande circulação, folhetos e pequenas revistas com texto discorrendo as qualidade e vantagens estruturais e facilidades dos seus loteamentos. Com exceção da CVSP-MT, todas as demais tiveram sucesso nos seus empreendimentos. 

O material fotográfico de Conrad Vopel que aqui publicamos demonstra claramente sua intenção comercial de ilustrar as virtudes do patrimônio da companhia, agora sob direção alemã. Inicialmente essa marca era um chamariz para atrair alemães e outras etnias europeias. Porém, com o advento do nacional socialismo na Alemanha e sua forte inclinação para guerra, a CVSP-MT teria um destino completamente diferente, que foi a sua nacionalização pelo governo Vargas e o repasse de parte do seu patrimônio, por acordo diplomático, ao empresário Jan Antonin Bata, experiente industrial e colonizador tcheco. Praticamente todos os funcionários alemães que trabalhavam na companhia despareceram da região.



A FUNDAÇÃO DO PORTO EPITÁCIO 


Planta urbana de 1945. Quando o Porto Epitácio era Distrito de Presidente Venceslau. Já tinha um traçado urbano com 12 ruas, 48 quadras, estação ferroviária , duas serrarias e desembarcadouro fluvial de gado.  Acervo: Arquivo Público dos Estado de São Paulo.


Ligado politicamente à Presidente Venceslau,  principalmente em função das fazendas de invernada de gado de corte, Presidente Epitácio foi durante muitos anos um território-distrito daquele município. 

Com a chegada dos trilhos da E.F. Sorocabana até as margens do rio Paraná em 1924, o porto de Presidente Epitácio torna-se a mais nova promessa de desenvolvimento da região, atraindo comerciantes, fazendeiros e migrantes de várias regiões do Brasil e também os estrangeiros da Europa, Oriente Médio e Ásia, desembarcados nos portos no Rio de Janeiro e Santos. Estes eram sistematicamente alocados pelos escritórios de imigração em diversas regiões do estado. 

Esse processo de alocação, inicialmente como abastecimento de mão -de-obra nas fazendas, foi sendo gradualmente substituído por famílias estrangeiras independentes, geralmente artesãos e comerciantes que foram se estabelecendo em vários e novos pontos urbanos criados pelas companhias de colonização e loteamentos de sítios e fazendas. 

Na maioria dessas localidades já existiam ou tinham como projeto de desenvolvimento as linhas e estações ferroviárias que se expandiam além da Serra de Botucatu, na direção da Alta Paulista e Alta Sorocabana. Como vimos, todos esses projetos de ocupação territorial no Oeste paulista estavam interconectados com a pecuária de corte. Eles foram disparados a partir do Porto Tibiriçá em 1907 e atingiriam seu ápice com a expansão dos trilhos ferroviários, seus ramais e estações. 

Presidente Epitácio foi um desses pontos atingidos pelas fazendas de invernada, pelas serrarias de madeira, arrais de comércio e serviços e finalmente pelos trilhos e estação ferroviária. Teve como diferencial a construção de um porto fluvial público, substituindo gradualmente o porto privado de Tibiriçá, que seria finalmente desativado em 1967, coma retirada do Serviço de Navegação da Bacia do Prata. 

Outro fator do crescimento de Epitácio e declínio do Porto Tibiriçá, entre 1948 e 1965, seria a construção da Ponte Maurício Joppert sobre o rio Paraná, ligando as rodovias Raposo Tavares(SP) e Manoel da Costa Lima (então estado de Mato Grosso). 

Em pouco mais de uma década, o Porto Epitácio ganharia status de município emancipado, tornando-se nesse período um centro industrial madeireiro (com mais de 70 serrarias) cujas toras proveniente das fazendas de Mato Grosso e Paraná eram desembarcadas no porto, processadas nas serrarias e transportadas pela ferrovia até a Capital ou centros industriais mais próximos. 
 

1938: O REGISTRO DE KONRAD VOPPEL


Em 1938 o fotógrafo alemão Konrad Voppel desembarcou no porto de Santos para registrar imagens do Brasil.

Provavelmente estava a serviço do governo e empresas apoiadoras, que na época possuíam um exército internacional de espiões e observadores em todo o mundo.

O dirigível Zeppelin também fazia parte desse grande projeto geopolítico do Eixo, de expansionismo. Tudo muito normal se lembrarmos que outros países europeus e também os EUA tinham planos e meios estratégicos idênticos. 

Voppel  registrou sua passagem por Santos, São Paulo e arredores da Capital e em seguida foi para o interior. Visitou  Presidente . Prudente, Santo Anastácio, Caiuá e Presidente Venceslau, na época localidades pequenas e provincianas abertas por força dos trilhos e estações ferroviárias da E.F. Sorocabana (ex-São Paulo Railway). 

Seus registros não eram apenas de paisagens  e curiosidades exóticas do turismo comum. Eram registros de atividades econômicas, de infraestruturas e recursos naturais. Chamava especialmente a sua atenção os negócios das colônias estrangeiras: japonesas e alemãs. 

Nessa época o Porto Tibiriçá já era um vila e Presidente Epitácio ainda era apenas um arraial de barranca no rio Paraná.





A Vila de casas e o caminhão da Companhia de Viação SP-MG transportando moradores para Presidente Epitácio.



Arraial de Presidente Epitácio: futuro porto e última estação da E.F. Sorocabana.

Presidente Epitácio.




















1967: O REGISTRO DE TAKASHI HIRATSUKA 


Presidente Epitácio, Porto Tibiriçá e Porto XV de Novembro em fotos de 1967 publicadas nas redes sociais por Kiyosh Hiratsuka, filho de Takashi Hiratsuka, residente em Sakay-shi, Osaka, no Japão.  Os registros são de várias épocas e vários lugares do mundo. Takashi também contemplou as cidades de São Paulo, Santos e São Vicente, em 1957. Num deles aparece um turista japonês na lanchonete do Casino Mont Serrat, de Santos, sendo provável que seja Kiyosh ou um companheiro de viagem do mesmo.

Ps. Em 1967 Presidente Epitácio vivia sob a tensão dos conflitos de terras no bairro rural do Campinal e, como mostram as imagens, tinha um intenso movimento industrial madeireiro, ferroviário e fluvial.

Ps 2. Recebemos Kiyosh Hiratsuka dia 03 de novembro essa mensagem de esclarecimento: 

"Muito obrigado pela sua atenção. Foi meu pai, Takashi Hiratsuka, que tirou as fotos da sua cidade em fevereiro de 1967 em slides coloridos. Um mês antes do regresso final ao Japão depois de 7 anos de trabalho em São Paulo, ele aproveitou o tempo livre para fazer uma viagem de navio ao longo do Rio Paraná, desde Presidente Epítácio até Guaíra e depois visitando as Sete Quedas. As fotos de dezembro 1957 a janeiro de 1958 foram também fotografadas pelo meu pai quando ele fez a primeira visita ao Brasil. Eu, Kiyoshi, sou japonês. Passei 5 anos da adolescência no Brasil: 1961-66 em São Paulo" .































PORTOS E CAMINHOS DO SERTÃO

Extraído de Dióres Santos Abreu. Formação Histórica de uma cidade pioneira: Presidente Prudente, 1970.  A colonização portuguesa no Brasil s...